domingo, 21 de fevereiro de 2016

Minha Biblioteca

Obras Completas de Freud, Vol. 12 - Introdução ao Narcisismo, ensaios de Metapsicologia e outros textos (1914 - 1916)


Complexos (I)

“No desenvolvimento de uma criança, essas estruturas psíquicas (relações criadas no ambiente da família) são significativamente modificadas pela exposição à cultura mais vasta. A exposição constante da psique a estímulos sociais e culturais, desde à TV à escola, torna-se um fator nas subsequentes etapas da infância, e isso reduz a influência psicológica de culturas éticas e familiares, pelo menos numa sociedade pluralista como a da América. Quando o grupo de iguais passa a ser central, ele gera novos e importantes elementos estruturais, muitos deles baseados, porém, em padrões culturais comumente acessíveis. E, no entanto, os antigos complexos induzidos pela família não desaparecem da psique. Os complexos materno e paterno continuam a dominar a cena do inconsciente pessoal...Os complexos são o que permanece na psique depois que ela digeriu a experiência e a reconstituiu em objetos internos.” (Murray Stein – Jung – O Mapa da Alma)

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Talento ou vocação? Os dois? Nenhum?

Qual o peso de uma análise autocrítica apurada e com baixo grau de parcialidade? Uma tonelada, talvez duas. Ou mais até. Que armas poderosas são a atenção com os desmandos (e sua mascarada fragilidade) do Ego e o senso de ridículo decorrente de tal consciência.
Quando não temos o receio e a arrogância de admitirmos nossas limitações, damos o primeiro e fundamental passo para fortalecermos nossas virtudes, purificar a psique e, por consequência, o caráter. Essas são fontes inesgotáveis de energia capaz de nos levar onde quisermos nesta vida. 
Várias vezes me peguei pensando, como voltei a fazer agora, nas coisas que realizei e realizo até hoje. Aí vinham as perguntas. No que realmente fui ou sou bom de verdade? Até onde eu poderia ou posso ir? Onde estão e quais são meus reais horizontes, não os desenhados e administrados pelo meu Ego, mas aqueles que minha alma enxerga?
Cheguei a algumas conclusões, que na verdade não encerram a reflexão, apenas a expande e a aprofunda ainda mais. A sensação é interessante. É bem boa.
Vou dar dois exemplos pessoais. Quando era criança, eu jogava bola. Joguei legal até os 13, 14 anos. Talvez um pouquinho mais. Minha praia eram as quadras, e o antigo futebol de salão, hoje futsal. Diziam que eu era bom, que eu tinha talento. De um tempo para cá, comecei a pensar muito sobre isso e admito: eu de fato tinha talento. Mas não tinha vocação. Aprendi muito com meu pai, mas minha relação com a bola sempre foi instintiva. Uma relação que me instigava a agir, a colocar para fora as frustrações e angústias de um menino. Não as de um menino qualquer, mas as minhas. As que eu imaginava serem só minhas. Sem ter a menor ideia, eu usava a quadra para sublimar minhas frustrações, pois lá eu me sentia livre, “imparável”, capaz de realizar tudo (ou quase tudo) que desejava. Mas ao mesmo tempo em que momentaneamente expulsava de mim um pouco do que comprimia o meu peito e me acovardava diante das incontáveis escolhas da vida, inconscientemente eu usava tais ações de energia e habilidade como uma solução (ineficaz) para minha falta de coragem no tentar e no crescer que esses movimentos de escolha proporcionam, pois via o erro como a razão para a rejeição, e eu não queria ser rejeitado. Por isso nunca quis me federar por algum clube, apesar dos convites. Eu me lembro de AABB, Monte Líbano, Carioca e Flamengo (em dois momentos e por técnicos diferentes). Rechacei todos, porque eu queria me preservar quase perfeito, e se me expusesse muito, minhas limitações por certo apareceriam e (descobri isso há pouco tempo) as decepções e rejeições do outro em relação a mim viriam junto.
Também voltei ao período em que me aventurei na música, e neste processo de retorno novamente fui até minha infância e identifiquei, claro, as inevitáveis associações com minhas insuportáveis inibições. Cheguei também sem muitas dificuldades a uma conclusão bem clara. Ganhei de presente e, sem maiores intenções, desenvolvi habilidades com a voz, porém concluí que jamais fui um cantor de verdade. Eu tinha as ferramentas (um timbre legal, punsh, extensão bem longa), mas não o ímpeto necessário para colocá-las em prática e torná-las verdadeiramente um talento. Muito menos tinha a vocação de entender o cantar como um indistinto prazer, uma explosão de energia, tal como eu via no futebol. Meu cantar não era instintivo, como quando jogava bola, e nem me proporcionava a valentia que sentia ao entrar numa quadra ou num campo de grama, onde eu era rápido, explosivo e me sentia quase imortal. Jamais consegui na música sublimar, e segui nela recalcando minhas dores e transformando-as em complexos, quando eu deveria agir justamente de forma oposta. Diferente do futebol, que eu sabia o que fazer e fazia, na música eu não conseguia realizar, porque eu tinha os recursos, mas não o talento para dar-lhes vida. Vejo isso hoje quando ouço muitas crianças e jovens cantando lindamente nesses The Voice Kids pelo mundo, como se cantar fosse tão natural como andar, falar, sorrir. Vejo no brilho dos seus olhos. Para elas, de fato é natural. Não para mim. Elas têm o instinto, mas também o talento e a vocação. Isso é perceptível demais.
Alguns podem imaginar meu pensamento como uma espécie de autoflagelo moral, mas é justamente o contrário. Não ter medo de olhar para dentro e enxergar as manchas que escurecem nossa essência é a forma mais valente de colocarmos em prática a vontade de acordar, levantar e caminhar em direção ao destino que cada um de nós tem o direito de traçar. É desta forma que podemos usar nossas qualidades instintivas e de fato transformá-las em talento realmente inato. Perdemos o receio da falha, do erro, e passamos a entender que um não que ouvimos não tem o poder de nos rebaixar, não significa um fim, e sim um sinal para um novo enfoque, talvez mais nítido, certamente mais maduro. E assim, toda a sensação de liberdade e invencibilidade que ganhamos com esse poder que vem de dentro vira antídoto contra qualquer temor, como uma antes tão assustadora rejeição, e se transforma em plena vocação, seja lá para o que for. Mas fundamentalmente a vocação de ser feliz.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Eu e os outros

Depois de ler e conversar duas vezes semana passada sobre o tema “Amizade”, resolvi registrar um pedacinho do penso sobre os relacionamentos sociais de hoje e revelar um pouco do manual de instruções (para uso popular) que vem comigo desde que nasci. Deixo claro meu absoluto repúdio a essa imensa babaquice que é o tal “o que vão pensar de mim” ou coisas que o valham, aliás lamentável lema de vida adotado por muitos que alimentam essa sociedade desnutrida de ética, hipócrita e arrivista. De um tempo pra cá, mais precisamente de quando efetivamente superei (porém sigo bem atento) a depressão, passei a refletir sobre comportamentos, tanto os meus como os do outro (outros). Ou seja, minhas ações e as das pessoas com as quais tenho algum tipo de contato. Fui uma criança, um jovem e agora um homem que jamais fez distinção quanto a amizades. Sempre integrei tribos diferentes, e até fui criticado sobre isso. Apesar de excessivamente tímido, eu topava (quase) qualquer parada e vestia a roupa completa do parceiro, companheiro, amigo. Jamais fui e não sou de fazer média com ninguém, e uso a condição expressa de querer o bem do outro para dizer o que eu penso, independentemente de ser agradável ou não. Até porque se meu sentimento pelo outro não fosse de amizade, eu sequer abro a boca. Claro que busco o jeito de fazer a coisa, mas não me intimido de, estando certo ou não, tentar dar ao amigo minha colaboração em questões que fundamentalmente envolviam o caráter e as possíveis consequências de certas atitudes.Mas tem um detalhe importante: eu era um cara muito egocêntrico, bem mais do que sou hoje, e tentava impor, à base de argumentos que considerava claros e lógicos, as verdades as quais não percebia que eram MINHAS. Com o tempo entendi que as tais minhas verdades não eram assim tão claras e muito menos lógicas, porém percebi também que meus amigos não eram tão amigos a ponto de refletirem sem parcialidades, regidas pela vaidade, sobre o que eu defendia. Alguns tratavam, sem nenhum trabalho de reflexão, de me julgar baseados em conceitos criados por eles mesmos em relação a mim, porém nem sempre praticados pelo autor. Aquela típica situação de ter um pensamento quando o foco é o outro, mas um diferente quando o protagonista da história era o próprio. Diante dessas posturas e atitudes tão incoerentes e controversas de alguns “amigos”, eu fui naturalmente seguindo meu caminho, porém sem deixar de me colocar à disposição, de estar pronto para ajudar (quando e se preciso) e, fundamentalmente, ser um cara que "está junto". Até que um dia...eu acordei. Abri meus olhos e olhei em volta. É nessa hora, quando você desperta (seja porque razão for), que vê de fato quem está ao seu lado, quem faz jus a distinção de ser seu amigo. Não me refiro, claro, à presença física, mas àquela que de fato preenche: a presença em espírito, em energia. Nesse meu despertar, enxerguei poucos, bem poucos, mas que me mostraram que de fato eram leais. Assim como também mostraram suas verdadeiras faces os que ao meu lado não estavam mais. Foi a partir daí que passei a prestar mais atenção nas atitudes dos outros para comigo, a famosa interação. Percebi que, tirando a daqueles poucos que estavam e seguem presentes após meu despertar, a sinceridade vem se tornando artigo de luxo hoje em dia, sinceridade essa que associo diretamente à lealdade. E ser leal é o item 1 do meu manual de instruções, que ensina as pessoas a me entenderem e, se quiserem, seguir me julgando sem nenhum problema.Vou dar um exemplo prático de como funciona pra mim nas chamadas mídias sociais. Se um dia alguém vir um comentário meu ou uma “curtida” minha em alguma de suas postagens, pode estar absolutamente convicto de que nada mais me moveu a não ser a vontade de “falar” com essa pessoa, dizer o que penso, porque naquele instante ela me tocou de alguma forma. Não existe possibilidade de outra razão que não seja esta. Não existe a menor chance de eu fazer uma coisa estrategicamente pensando em outra. Se recebo um convite, não sou homem de dizer sim querendo dizer não, enrolar e depois criar uma justificativa para, “tristemente”, não poder aceitar a gentil proposta pelo fato de estar muito ocupado, cansado à exaustão ou “impossibilitado no momento”.Não faço postagens para ser adulado ou admirado, eu as faço porque é uma forma de tirar de dentro de mim o que me alegra ou o que me incomoda, seja o que for. E, por outro lado, não prestigio a mensagem de alguém no intuito de ser simpático, gente boa ou de nutrir a intenção de me aproximar, quem sabe até para um “colóquio mais íntimo”, como alguns fazem “inbox”, interessante opção que eu chamo de “sala da intimidade” ou “cantinho do capeta”. Se dou minha curtida é porque aquilo me agrada, não só o que foi postado, mas a combinação com quem fez a postagem. E isso talvez seja difícil para muitos entenderem. Fazer algo sem querer nada em troca. Fazer o que se tem vontade pelo simples fato de estar vivo e ser livre para escolher o que fazer, seja o que postar ou o que “curtir”. Como convidar alguém pra bater um papo, sem necessariamente que o mesmo encaminhe para uma cama (chão, pia da cozinha, parapeito da janela ou até o lustre da sala), banco de um carro, areia da praia ou qualquer outro local que dê vazão à libido contida. Difícil, né? Pra mim não é não.E assim vou seguir, espero, até o meu último dia aqui (não me refiro ao blog, rs). Sendo amigo de quem quer que eu seja seu amigo. Se ganho um sorriso, que seja sincero. Se ganho um carinho, que ele seja verdadeiro, porque escolhi seguir pelo caminho oposto ao da dissimulação, da falsidade, do desrespeito, da mentira, da deslealdade. Sei muito bem que o preço é alto (sinto na prática), e as consequências talvez irreversíveis, uma estrada que pode mesmo levar à solidão. Mas, como já disseram certa vez, sempre será muito melhor estar só do que mal acompanhado.